segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Triste jeitinho brasileiro...

Entrevista com o antropólogo Roberto Da Matta 



























Gabriela Loureiro para Veja

O cotidiano brasileiro é pautado pela ética? Depende de um fator: de que ética estamos falando. No Brasil, estamos acostumados com uma ética da desigualdade, que faz a gente ter uma enorme dificuldade em aceitar a igualdade.
Trata-se, então, de uma questão cultural? É uma questão cultural que tem a ver com uma cultura política profundamente desigual. Esta tem raízes no regime da escravidão e da monarquia, fundados na desigualdade, e foi transferida para a República, cujo pilar é a igualdade, sem que houvesse a necessária discussão e sem que o conceito de igualdade fosse internalizada nos cidadãos. As questões são sempre discutidas a posteriori, quando acontece alguma coisa alarmante, como um caso de corrupção em que um ministro roubou muito. Aí, paramos para discutir.
Qual a relação entre igualdade e ética? Temos um ditado revelador no Brasil: os incomodados que se mudem. Assim, se você chegar a um restaurante com suas amigas, falando alto e dando risada, e isso incomodar a mim, eu é que sou obrigado a me retirar. A desigualdade prevalece sobre a igualdade. Dentro da nossa cultura, tudo isso é sintomático: a maneira de furar fila, não esperar a vez do outro, não dar vez para pessoas idosas e assim por diante. Tudo isso precisaria ser discutido para criar uma ética de igualdade.
Em que medida essa ética da desigualdade é responsável, por exemplo, pela corrupção nos governos? Muitas vezes, achamos que uma mudança no estado acarretaria uma mudança automática na sociedade. É justamente o contrário. Quem assume os cargos públicos são nossos iguais, companheiros, parentes. São como nós as pessoas que reproduzem no estado esse padrão duplo de usar de vez em quando uma ética igualitária e em outros momentos uma ética baseada em relações, nos contatos. O Brasil não gosta de ser igual, odeia a igualdade, o mérito, o mercado. Prova disso é que, antigamente, o trabalho era considerado marginal e, por isso, os superiores não trabalhavam. Carregamos uma tradição aristocrática em lugar de uma herança moderna, baseada na ética da modernidade, que vem de uma orientação cosmológica diferente, interessada em melhorar esse mundo.
Essa noção de igualdade deve ser ensinada em casa? Sim, é preciso ser coerente em casa e na rua. Porém, a própria estrutura familiar é muito desigual. Os meninos podem chegar às 6h da manhã de uma festa, enquanto as meninas têm que estar em casa à meia-noite. Irmãos mais velhos ainda têm mais direitos do que os mais jovens. Em resumo, a mudança necessária tem que começar pela família.

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