O mau comportamento das casas legislativas em todos os níveis - municipal, estadual e federal -, no que se refere ao acentuado gosto por privilégios e benesses para seus integrantes, não permitia que se esperasse da Assembleia paulista uma atitude diferente, marcada pela austeridade. Mas os deputados estaduais paulistas estão exagerando. Seu apetite - ou, melhor dizendo, sua gulodice - os tem feito ir além da média das mordomias, como mostram dois exemplos que frequentaram o noticiário neste início de ano.
O primeiro foi o da tentativa, felizmente frustrada, de renovar a frota de 150 carros para uso dos parlamentares e diretores da Casa. Não vale mais a pena discutir se eles precisam ou não dessa facilidade, de tal forma ela se incorporou aos usos e costumes dos integrantes dos altos escalões dos Três Poderes. Mas não é preciso exagerar, como infelizmente eles assim fizeram em dois pontos importantes.
Um foi a rapidez na mudança dos atuais carros, que têm apenas dois anos de uso. Como os deputados sempre dispuseram de veículos de boa qualidade, resistentes, eles certamente têm condições de uso em segurança por um bom tempo ainda, não havendo motivo para troca.
Acontece que, como apurou reportagem do Estado, suas excelências, sempre exigentes, preferem um outro modelo, na mesma faixa de qualidade e preço.
Caprichos de quem não precisa pagar a conta. Foi isso, ao que tudo indica, que levou ao segundo e mais importante exagero. O edital de licitação para a compra dos carros, publicado no Diário Oficial do dia 12 de janeiro, estabeleceu exigências tais - de potência, de mecânica, de conforto e até de características dos pneus - que limitaram muito a escolha.
De tal forma que ela na prática orientava a compra para um determinado modelo, que é o da preferência dos deputados e diretores da Casa. O segundo secretário da Assembleia, deputado Aldo Demarchi (DEM), que cuida da operação, negou qualquer "encaminhamento" da licitação, o que seria irregular. E fez isso numa linguagem, supostamente engraçadinha, que destoa da seriedade do assunto, um negócio da ordem de R$ 11 milhões: "A única coisa que estamos preocupados, e é a reclamação de todos os deputados, é a segurança. Vida, bicho".
Não foi bem isso o que pensaram oito procuradores do Ministério Público de Contas, que entraram no último dia 22 com uma representação no Tribunal de Contas do Estado (TCE)pedindo a suspensão imediata da licitação.
A seu ver, o edital fere a lei de licitações e "desborda aos limites da discricionariedade, ao estabelecer exigência que restringe indevidamente a competitividade, por eliminar concorrentes idôneos e aptos a fornecerem veículos com condições de bem atenderem às necessidades para que se destinam".
Tanto tinham razão os procuradores que a direção da Assembleia teve o bom senso de cancelar a licitação.
O outro exemplo da ligeireza com que a Assembleia trata o dinheiro público é o pagamento de auxílio-moradia - de R$ 2.250,00 por mês - aos deputados. O benefício é concedido a todos os 94 parlamentares. Aos que têm e aos que não têm residência na capital. Ligeireza que acaba de ser punida com decisão do juiz Luís Manuel da Fonseca Pires, da 13.ª Vara da Fazenda Pública. Ele concedeu tutela antecipada em ação civil do Ministério Público do Estado e determinou a "imediata suspensão" do pagamento do auxílio-moradia.
Isso deve ser feito "sob pena de os responsáveis, em caso de descumprimento da medida, responderem por ato de improbidade administrativa". Alega o magistrado que "inexiste diferença entre o parlamentar que reside em imóvel próprio ou alugado, próximo ou distante da Assembleia Legislativa, como ainda não há o condicionamento do pagamento à comprovação de gastos com a moradia". Em outras palavras, recebe o auxílio mesmo quem não precisa e ninguém comprova despesas feitas.
Seria bom que a Assembleia aprendesse alguma coisa com esses dois casos. Quem sabe?
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